Por: M. Biasi
Ao imergirmos no campo da sociologia da educação torna-se necessário compreendermos algumas das teorias sociológicas que marcaram a sua trajetória.
Émile Durkheim (1858-1912), desenvolveu um conceito denominado “Fato Social”, o qual define “como toda a maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o individuo uma coerção exterior; ou então, ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria independentemente das manifestações individuais que se possa ter” (MELO, 2011, p. 27).
Durkheim (apud MELO, 2011), define que os comportamentos sociais dos homens são resultado da ação da sociedade sobre as pessoas e fazem parte da evolução da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica: na primeira, ocorre uma sociabilidade mais simples, marcada pela semelhança social entre os indivíduos que partilham uma consciência comum no que se referem aos pensamentos, crenças, etc. Já a segunda, é típica das sociedades mais complexas, em que a divisão do trabalho social é amplamente disseminada e diferenciada conforme o grupo social ao qual o individuo faz parte.
Nessa perspectiva a educação, segundo Luzuriaga (apud MELO, 2011, p. 37), “visa transmitir a existência coletiva, o que nada mais é do que o modo especificamente humano de conservação da espécie”. O autor mantém algo já afirmado por Dukheim, de que “a educação é uma obra sistemática e intencional da geração adulta sobre as novas gerações, com o fim de desenvolvê-las”.
O sociólogo Max Weber (1864-1920) desenvolveu uma teoria que rivalizava com os pressupostos positivistas, para ele a sociologia é o estudo da ação social, havendo a necessidade de compreendê-la em suas complexas casualidades e efeitos.
O funcionamento da sociedade é motivado pelas ações dos indivíduos entre si, nesse caso a conduta individual guia-se pelas ações de outros indivíduos, motivados pela moda e/ou pela tradição. A ação social dá sentido à sociedade quando essa ocorre de forma análoga em várias pessoas, como comportamento regulador.
Outro conceito de Weber é o da relação social, que “se diferencia da ação social pelo fato de que aquela relação demanda que os atores realizarem a ação de modo recíproco” (MELO, 2011. p, 163). O autor conceitua a relação social,
Por relação social deve-se entender uma conduta de vários – referida, reciprocamente conforme seu conteúdo significativo, orientando-se por essa reciprocidade. A relação social consiste, pois, plena e exclusivamente, na probabilidade de que se agirá socialmente numa forma indicável (com sentido). (MELO, 2011, p. 163).
Weber distinguiu as ações sociais em quatro tipos de ideais diferentes: ação social racional com relação a fins (é aquela que o individuo planeja e calcula todos os movimentos dele até as consequências possíveis dos seus atos). Esse tipo de ação social é comumente encontrado em um sistema social pautado pela racionalidade, como o nosso, por exemplo; ação social racional com relação á valores (não tem como objetivo a finalidade, mas a incorporação do individuo a uma situação de convicção). Essa ação é percebida em atitudes religiosas contemplando a ética em relação ao trabalho e a vida: uma vida devotada a Deus. Essa ação é encontrada também nas ações militares, que agem com referencia aos valores patrióticos e por eles entrega a vida; ação tradicional (ocorre quando os indivíduos levam em conta hábitos arraigados e repetidos ao longo do tempo, de modo que se transformaram em costumes). Não podemos esquecer que a aquisição de um diploma, por exemplo, constitui uma tradição familiar repassada para as novas gerações que, por partilharem a mesma situação de classe também compartilham as mesmas expectativas de seus pais, e que estes a depositam na carreira dos filhos; ação afetiva (nesse tipo de ação encontra-se a fronteira do racional, experimentam-se afetos, alegrias, tristezas, ódio, etc.). Essa ação se caracteriza quando o individuo passa por um momento feliz, por exemplo, (nascimento de um filho, casamento, formatura, etc.). (MELLO, 2011).
No campo educativo Weber (apud MELO, 2011) destaca os três tipos de educação: humanista: tem por propósito cultivar um determinado modo de vida que traduz atitudes e comportamentos particulares, seja de caráter religioso ou mundano. Ou seja, o tipo de educação praticada pelas elites, voltadas para a ascensão destes aos altos graus de carreiras burocráticas. Já a chamada educação especializada coaduna com a dominação legal e responde ao alto grau de racionalização e burocratização da sociedade capitalista. Com relação a educação carismática é aquela, que ao longo dos séculos, foi formadora dos guerreiros medievais e os sacerdotes, ou atualmente, como aquela que forma lideres cuja características é a carisma, tanto na política quanto na religião.
A teoria weberiana da burocracia pode também nos levar a uma compreensão da chamada escola tradicional, sobre a educação escolar em geral na contemporaneidade, que desvincula o ensino que se pratica na escola da vida dos alunos:
Uma das características da educação tradicional é ser “burocrática”, no sentido de que ela se vincula a propósitos alienados da pratica social e das características da vida das crianças e dos adolescentes. Os conteúdos trabalhados na escola, a forma como são trabalhados, a relação autoritária, muitas vezes impostas ao jovens – obrigando-os a disciplinarem seus corpos e mentes à mercê das regras escolares -, todos esses indícios apontam para as características de uma educação burocrática. Está também pode ser caracterizada pela impessoalidade onde a criança é tratada como mais um número em uma estatística (...). (MELO, 2011, p.174)
Já a concepção de sociedade de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) assenta-se no materialismo, que é entendido em “oposição a simples repulsa, ingenuamente revolucionária, de toda a história anterior, o materialismo moderno vê na história o processo de desenvolvimento da humanidade, cujas leis dinâmicas é missão sua descobrir” (ENJELS apud MELO, 2011, p. 176).
As leis do movimento histórico, na concepção marxiana, são compostas pela dialética relação histórico-social dos homens entre si e destes em suas relações com a natureza. Tais relações têm como motor as relações de contradição entre as diferentes classes sociais constituídas ao longo dos tempos, e que ganha, em cada período, características peculiares. [...] Ao produzir sua existência, é a própria sociedade que o homem esta constituindo à sua imagem e semelhança. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem, como com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção. (MELO, 2011a, p. 178-179)
Marx realizou um estudo profundo da sociedade capitalista e, especialmente, do método dialético destacando a questão da qualificação e desqualificação ao trabalho, a questão da ideologia da educação como parte da superestrutura ideológica da sociedade, ou mesmo, como a educação passa a ser um mecanismo de reprodução das classes dominantes e, ao mesmo tempo, as possibilidades emancipatórias da educação.
O desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo e sua organização abrem uma perspectiva para a abordagem da formação dos trabalhadores e, consequentemente, o papel da principal instituição formativa do capitalismo: a escola. Vinculada estritamente as demandas de produção, a escola capitalista sempre foi, para as massas, uma instituição voltada para uma formação unilateral, subordinada a formação do trabalhador para o trabalho cada vez mais desqualificado. No entanto, para além da obra marxiana, devemos visualizar o cenário atual do mundo do trabalho e os fundamentos da formação de uma perspectiva contemporânea, para que, assim, o método marxiano de análise do movimento real seja efetivado (MELO, 2011, p. 192).
Antônio Gramsci (1891-1937), um dos grandes nomes do marxismo, coloca as relações entre as demandas produtivas e a formação educativa a partir do conceito de “princípio educativo”, que mantém seu poder explicativo ainda hoje, pois revela o principio básico que, na historia do capitalismo, vinculou as esferas da produção e da educação, o que o autor denominou o “principio educativo do trabalho”. (MELO, 2011, p.194).
(...) a partir da leitura de Gramsci sobre a implementação do fodismo nos EUA, apreende-se a necessidade de formação de um homem novo, adaptado ás condições do trabalho na esteira de produção e a moral do trabalho vinculada ao foco na produção, em detrimento da vida pessoal e familiar, que se organizariam em favor daquela. O principio educativo encontra-se justamente nesse cenário de hegemonia das relações de produção sobre a formação dos trabalhadores. Para Gramsci, é o trabalho, como modelo mais avançado de produção, que deveria inspirar os modelos de uma educação emancipatória para classe dos trabalhadores, pois é na produção febril que se encontram conjugados os conhecimentos científicos ás mais avançadas técnicas de produção, ou seja, existe ali a união intrínseca entre a teoria e pratica produtiva, que são os princípios educativos de uma educação omnilateral. (MELO, 2011, p. 198).
Ao refletirmos sobre essas teorias podemos sem duvida identificar pelos menos duas correntes pedagógicas que têm influenciado a pratica docente na atualidade: a tradicional (autoritária) e a tecnicista (capitalista). Cujos focos recaem na instrumentalização do aluno, na primeira visa-se um ensino guiado por fundamentos morais e à disciplina da mente e do corpo. A segunda busca formar trabalhadores para o trabalho e o desenvolvimento do país. Já ao pensarmos uma concepção que se contraponha a essas em termos de princípios encontramos na Escola Nova (John Dewey 1859-1952) e no Construtivismo (Jean Piaget 1896-1980) uma contribuição significativa para refletirmos o processo educativo na escola. Pois, tanto a Escola Nova, quanto o Construtivismo visam formar um individuo adaptado ás mudanças sociais do capitalismo, focando a sua autonomia e desenvolvimento integral. (MELO, 2011).
Percebemos que os fundamentos sociológicos da educação podem nos auxiliar a compreender melhor a realidade educativa e consequentemente compreendermos as bases para estreitar a relação escola e comunidade no ponto de vista social e educativo. Pois os fundamentos sociológicos que abordamos auxiliam-nos a olhar e a compreender as relações sociais amplas em que se encontra a educação (a escola e a família e as relações humanas) e as determinantes da pratica e, com isso, nos aprofundarmos nas questões implícitas/explicitas da escola contemporânea.
Ao estudarmos os fundamentos sociológicos da educação compreendemos que para uma educação de qualidade há a necessidade de promover uma política de universalização da escolarização onde todos são chamados a participar das escolhas e decisões realizadas no âmbito escolar. Surge, portanto, a necessidade de “convocar” a comunidade escolar (todos os atores envolvidos no processo educativo direta ou indiretamente) para colaborar na definição dos conteúdos do currículo e nas definições do ensino, tanto no que se refere ás relações entre os diferentes atores, quanto às estratégias utilizadas nas salas de aula, os valores, focando a diversidade, o multiculturalismo latente.
A escola tem um papel sociocultural historicamente constituído crucial a desempenhar nesse processo, pois é o espaço onde pode acontecer essa convivência com a família proficuamente. Cabe a escola, portanto, dar o primeiro passo, pois educar as novas gerações não cabe somente a instituição educativa e professores. É tarefa também da família. Desse modo, a relação entre escola e família deve acontecer em prol da melhoria do ensino oferecido a seus alunos/filhos. E o estudo da relação social da escola e da comunidade possibilita a compreensão desse processo.
Referências:
MELO. Alessandro. Fundamentos sócio-culturais da educação. Curitiba: IBPEX, 2011.
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