11 de set. de 2012

O papel do jogo na história social da criança


Na Idade Média, os jogos eram basicamente destinados aos homens, visto que as mulheres e as crianças não eram consideradas cidadãs e, por conseguinte, estando sempre à margem, não participavam de todas as atividades organizadas pela sociedade. Porém, em algumas ocasiões nas quais eram realizadas as festas da comunidade, o jogo funcionava como um grande elemento de união entre as pessoas (ARIÈS, 1981, p. 69).
Diferente do trabalho a que se submetiam todos os dias, para as pessoas da Idade Média, os jogos representavam um espaço de tempo para descontração, além de um momento único de integração: “os jogos e divertimentos estendiam-se muito além dos momentos furtivos que lhes dedicamos: formavam um dos principais meios de que dispunha uma sociedade para estreitar seus laços coletivos, para sentir-se unida”. (ARIÈS, 1981, p. 94).
Com relação às crianças, que eram vistas como adultos em miniatura, na maioria das vezes somente os meninos podiam participar dos jogos e brincadeiras com os adultos.
Vygotsky (1991, p.131) afirma que:

O jogo cria na criança uma nova forma de desejos. Ensina-a a desejar, relacionando seus desejos a um “eu” fictício, ao seu papel no jogo e suas regras. Assim, as maiores aquisições de uma criança são conseguidas no jogo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade.

Havia, portanto, brinquedos de adultos, em um exemplo de que as brincadeiras eram realizadas tanto por adultos como por crianças, mas não eram somente propostas para os pequenos. É preciso destacar que as crianças utilizavam as brincadeiras de adultos e não os adultos que brincavam de jogos com as crianças. A diferença fundamental é que as propostas eram sempre realizadas do ponto de vista do adulto, não da ótica infantil. Sobre isso, leiamos a afirmação de Ariès (1981, p. 91), contando um fato interessante em que um adulto era presenteado com um brinquedo de criança:

Em 1571, a duquesa Lorraine, querendo dar um presente a uma amiga que havia dado à luz, encomenda “bonecas não muito grandes e em número de até quatro ou seis, e das mais bem-vestidas que possais encontrar, para enviá-las à filha da Duquesa de Bavière, que acabou de nascer”. O presente se destinava à mãe da criança.

Em muitas pinturas da época, é possível perceber que tanto as crianças participavam dos jogos e atividades dos adultos, como vimos no exemplo anterior, quanto adultos eram presenteados com brinquedos, algo impensado atualmente em nossa sociedade.
Percebe-se, ainda, que a maioria das atividades lúdicas propostas ao menino eram atividades culturais de sua comunidade, na qual a música e as dramatizações estavam presentes desde a mais tenra idade. Nesse caso, os jogos assumem um caráter de recreação de toda uma sociedade.
Oliveira (1998, p. 57) considera aprendizagem como:

O processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores, etc. a partir de seu contato com a realidade, com o meio ambiente, com as outras pessoas. É um processo que se diferencia dos fatores inatos (a capacidade de digestão, por exemplo, que já nasce com o indivíduo) e dos processos de maturação do organismo, independentes da informação do ambiente (a maturação sexual, por exemplo).

Nessa época e por muito tempo depois, o jogo foi considerado uma atividade “não séria”, destinada exclusivamente à recreação, principalmente por causa de sua associação aos jogos de azar, que eram bastante divulgados na época. Alguns dos jogos que envolviam pagamento (portanto, considerados de azar) – e que são conhecidos até hoje – eram o “vinte e um”, “par ou ímpar”, “cara ou coroa” e “trunfo”. Outros jogos da época da Idade Média, também conhecidos atualmente, são: bilboquê, chicote queimado, quebra-cabeça, pular o carneiro (KISHIMOTO, 2006).
À medida que os anos passaram, os jogos deixaram de ser comuns a todas as idades e classes sociais, como acontecia na Idade Média. Os adultos das classes sociais mais abastadas abandonaram o hábito do jogo, que permaneceu somente nas crianças; porém, nas classes menos favorecidas, o ato de jogar e participar de brincadeiras e festas da comunidade perpetuou-se. A burguesia, no século XIX, principalmente na Inglaterra, resgatou o ato de jogar, que passou a ser chamado de “esporte”, e, assim, sobreviveu ao longo dos tempos, até as sociedades contemporâneas (ARIÈS, 1981).
Seguindo a linha do tempo iniciada com a Idade Média, chegou o Renascimento, período no qual uma nova concepção de infância desponta e características, como o desenvolvimento da inteligência mediante o brincar, alteram a ideia anterior de que o jogo era somente uma distração. Foi durante o Renascimento que o jogo serviu para divulgar princípios de moral, ética e conteúdos de áreas como história e geografia, com a premissa de que o lúdico era uma conduta livre que favorecia o desenvolvimento da inteligência, facilitando o estudo.

Uma criança que domina o mundo que a cerca é a criança que se esforça para agir neste mundo. Para tanto, utiliza, objetos substituto aos quais confere significado diferente daqueles que normalmente possuem. O brinquedo simbólico, o pensamento está separado dos objetos e ação surge das ideias e não das coisas. (VYGOTSKY 1991, p. 56).

Assim, inicia-se um processo de entendimento, por parte das sociedades, com relação a algumas especificidades infantis, caindo por terra a concepção de que as crianças são adultos em miniatura. Nesse contexto, o jogo infantil torna-se a forma adequada para a aprendizagem dos conteúdos escolares, sendo contrário tanto à forma verbalista (somente falada) da educação vigente no ensino quanto à palmatória, que ainda vigorava. A partir dos estudos de que a criança poderia aprender melhor com o uso de atividades práticas, o pedagogo deveria dar forma lúdica aos conteúdos.

Referências:

ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Tradução de Dora Flaksman. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1981.

OLIVEIRA, Gislene de C. Contribuições da psicomotricidade para a superação das dificuldades de aprendizagem. In: SISTO, Firmino Fernandes. (Org.) Atuação psicopedagógica e aprendizagem escolar. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. (Org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

VYGOTSKY, L. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.



LIVRO LUDICIDADE

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