4 de jun. de 2012

O percurso histórico da EJA no Brasil

  Por: M. Biasi


Para uma melhor compreensão da historia da EJA da educação brasileira e o seu percurso nas políticas educacionais, é preciso entender que o processo de constituição dessa modalidade de ensino passou por importantes momentos de avanços e retrocessos ao longo do tempo que contribuíram para sua evolução, melhorias e reflexões.
A preocupação com a educação de jovens e adultos vai aparecer pela primeira vez no período Colonial, com a chegada dos jesuítas, com o intuito de viabilizar a aprendizagem da leitura, da escrita e do calculo aos indígenas adultos e mais tarde aos negros escravizados com a propósito de incutir “valores morais” a esses povos.
No período Imperial (1822 – 1899), após a expulsão dos jesuítas, a EJA se inseriu no processo de institucionalização do ensino através das iniciativas de aberturas de escolas noturnas. Nesse período a educação escolar passa a ser entendida como necessária para a reorganização da sociedade brasileira e por isso deveria atingir toda população, inclusive a pobre e analfabeta, afim de “civilizá-lo” e torná-lo apto a votar, conforme preconizava a lei Saraiva em 1881. Poucas mudanças ocorreram no período Republicano (1899 – 1930), a relação entre EJA e filantropia permaneceu, assim, como a ideia da pessoa analfabeta como incapaz e improdutivo, até entrar em cena a preocupação com os altos índices de analfabetismos do país. Segundo Paiva (1987, p.15), “o analfabetismo era considerado uma vergonha nacional, uma doença que assolava toda a sociedade brasileira e deveria ser erradicado através de campanhas de alfabetização. A educação por sua vez, teria um papel importante na elevação cultural do país”.
Porém, “os formuladores dessa política e responsáveis pelas ações tomam a alfabetização de adultos como aquisição de um sistema do código alfabético, tendo como objetivo instrumentalizar a população com os rudimentos da leitura e da escrita” (MOURA, 1999, p.24).
As décadas de 1930 – 1940 foram marcadas pelo aparecimento e expansão do ensino supletivo organizado por Pascal Leme. O ensino supletivo teve uma grande abrangência no que tange a alfabetização de adultos no país, “o problema era a sua lógica em sistematizar a alfabetização de adultos semelhante à alfabetização desenvolvida para as crianças, sem levar em conta as especificidades da clientela jovem e adulta” (SILVA; URBANETZ, 2010, p.65). Convêm destacar algumas iniciativas governamentais como a Campanha Nacional de Alfabetização, a Campanha de educação de adolescentes e adultos (CEAA), o primeiro congresso nacional de educação de adultos e o seminário interamericano de educação de adultos.
Foi somente décadas de 1950-1960 que se observou um avanço significativo no que diz respeito à organização e a concepção da educação de jovens e adultos no país. Um novo referencial teórico-metodológico foi viabilizado a partir da atuação de Paulo Freire e de suas ideias em movimentos como: movimentos da cultura popular, o movimento de educação de base (MEB), confederação nacional dos bispos do Brasil (CENBB), entre outros, disseminaram uma nova concepção de educação de adultos proposto por Freire, a emancipatória.
Infelizmente, no período Ditatorial (1960), o pensamento e a proposta de Freire foram suprimidos. A campanha realizada a partir do ideário autoritário foi o movimento brasileiro de alfabetização (Mobral), criado em 1967. Segundo Silva e Urbanetz (2010, p.67), a metodologia proposto pelo Mobral “apresentava poucas semelhanças com a metodologia desenvolvida nos movimentos de educação popular na medida em que todo o conteúdo crítico e problematizador das propostas anteriores foram esvaziados”. A EJA deveria seguir as propostas da LDB. 5.692/71.
Na década de 1980, o Mobral foi extinto e substituído pela fundação educar, que visava fomentar programas destinados àqueles que não tiveram acesso à escola ou dela foram excluídos.  Era vinculado ao MEC e atuava na supervisão e apoio financeiro dos programas de EJA vinculadas às prefeituras municipais ou às associações da sociedade civil. Na década de 1990, com o governo Collor, a fundação educar foi extinta.

Algumas ações governamentais e da sociedade civil foram desenvolvidas no fim do século XX e focalizaram a EJA. Esses programas visavam a organização, a implementação e a difusão da educação de adultos nos localidades com altos índices de analfabetismos. Em sua maior parte, esses programas atingiram os objetivos a que se propuseram, podendo-se verificar a redução nas taxas de analfabetismo das localidades atingidas. Os programas são: movimento de alfabetização (Mova), plano nacional de formação e qualificação profissional (Planfor), programa nacional de educação na reforma agrária (Pronera), programa nacional de educação na reforma agrária (Prongra) programa de alfabetização solidaria (Pás) programa de apoio a estados e municípios para a educação fundamental de jovens e adultos e, por fim, o programa Brasil alfabetizado (PBA) (SILVA; URBANETZ 2010, p.69).

Atualmente, a LDB 9394/96 reconhece a educação de jovens e adultos como uma modalidade da educação básica e conta com um currículo próprio que busca atender as características dessa clientela. Nesse cenário muitos Enejas (encontro nacional da educação de jovens e adultos) foram realizados buscando debater sobre essa temática na atualidade, na busca de encaminhamento teórico – metodológicos compatíveis com essa modalidade de ensino. Esses encontros trazem a tona o pensamento de Paulo Freire, suas visões, bem como o debate sobre as políticas educacionais que regem esse campo e concepções de ensino.
Nesse sentido, para uma prática docente comprometida e que atenda às demandas de aprendizagem de educação de jovens e adultos é necessário ao professor reconhecer as particularidades e especificidades da prática para se posicionar criticamente diante dessa demanda por educação. Sobre as concepções de ensino que regeram e ainda rege a EJA, Souza (2011, p.113). Salienta:

(…) a abordagem tradicional identifica o aluno como parte de um mundo que irá conhecer, existe a preocupação com a armazenagem de conhecimentos, a educação restringe-se a instrução e a transmissão de conteúdos, os alunos são instruídos pelos professores, há uma relação vertical entre professores e alunos, existe predomínio da metodologia expositiva e a avaliação é concedida como verificação da memorização  dos conteúdos .essas são  as características da concepção  bancaria de educação”tão criticada por Paulo Freire.(…) nessa concepção  tradicional de ensino, a alfabetização  de adultos é caracterizada como semelhante à educação  das crianças , e possa a existir uma preocupação excessiva com as técnicas de ensino; os conteúdos são  descolocados da realidade social dos educandos; há distanciamento entre professor e aluno, bem como uma concepção  técnica da oralidade, da escrita e da leitura, sendo estas ultimas compreendidas como processo de decodificação de símbolos.

Na concepção de ensino denominada sociocultural, predominam as características da concepção dialógica da educação, defendida por Paulo Freire. Nessa abordagem, a interação entre homem e mundo é entendida como a busca do sujeito pela elaboração e criação de conhecimento. O homem é pensado e educado tendo como referência a sua cultura, a sua prática social. É visto como sujeito que se constrói como tal à medida que pensa o seu contexto. Nessa abordagem,

(…) o processo ensino – aprendizagem é desenvolvida objetivando a superação da relação entre opressores e oprimidos; na horizontalidade na relação professor – aluno, embora o professor tenha clareza quanto ao seu papel de orientador no processo educativo. A metodologia se caracteriza pela dialogicidade e pela problematização dos conteúdos escolares em relação aos conteúdos do mundo da vida. São desenvolvidos processos de autoavaliação. (…) na concepção dialógica problematizadora da educação e do EJA existe uma preocupação com o desenvolvimento da consciência política, mediante o trabalho coletivo e a valorização da prática social dos sujeitos do processo educativo. Assim, a alfabetização não deixa de ser a aquisição de um padrão convencional de um padrão de escrita, leitura, ortografia etc., porém torna-se também a busca pela interpretação dos conteúdos ideológicos que envolvem as palavras e o discurso. Do mesmo modo, a continuidade dos estudos é uma forma de caminhar em direção à emancipação. (SOUZA, 2011, p.114)

A concepção de Paulo Freire que, a nosso ver, deve pressupor o trabalho pedagógico com a educação de adultos, significou a criação de um novo referencial teórico – metodológico que defende uma educação capaz de propiciar a formação  de sujeitos ativos na sociedade, buscando seus direitos e compreendendo sua importância no meio social. O entendimento dessa concepção é fundamental para o aprimoramento de uma prática pedagógica que vá de encontro às necessidades educacionais do EJA.
A prática docente comprometida precisa reconhecer as particularidade e especificidades da prática da educação de jovens e adultos, evitando infantilizar o processo de ensino e aprendizagem. O planejamento deve propor conteúdos que tenham estreita relação com as experiências cotidianas desses educandos. Para isso, o professor precisa desenvolver saberes indispensáveis à sua prática, como propõe Souza ((2011 140 -142): A) assumir-se como profissional libertador que tem postura critica diante da realidade; ter papel diretivo no processo educativo, B) como articulador de um estudo serio sobre algum objeto de investigação: C) colocar-se na posição de quem busca superar-se constantemente, numa atitude práxica, que vai alem do simples fazer mecânico; D) fazer do ato educativo um ato de conhecimento, ser sujeitado do processo educativo: F) colocar – se em constante processo de formação: G) trabalhar com a indissiociabilidade entre teoria e prática mediante reflexão critica sobre a prática: H) respeitar o educando e a si próprio com o sujeito do conhecimento.

O professor deve considerar que o aluno que frequenta as classes do EJA, no maior parte das vezes, é aquele individuo que tem uma jornada de trabalho de, no mínimo, oito horas diárias e que vem exausto, sem se alimentar adequadamente e com tantos outros problemas que fazem parte do próprio ser humano. Esse sujeito deve vislumbrar a possibilidade de uma mudança de vida, buscando ascensão social, econômica, cultural…: caso contrario estar ali, na sala de aula, não faz o menor sentido para ele. O professor deve ser a pessoa sensível às dificuldades desse aluno. Dessa forma, afirma-se que o professor deve elaborar atividades diversificadas para as suas aulas, utilizando recursos e técnicas variados. (SEYER apud SILVA; URBANETZ, 2010, p.71).

Nesse contexto, fundamenta – se a importância do dialogo entre educador – educandos, a fim de investigar os saberes construídos nas vivencias sociais e relacioná-los às necessidades e às expectativas desses alunos com relação à sua escolarização.

 Referências:

MOURA, T. A Prática Pedagógica dos Alfabetizadores de Jovens e Adultos. Maceió: EDUFAL. 1999.

PAIVA, V. Educação Popular e Educação de Adultos. São Paulo Layola,1987.

SILVA, M; URBANETZ, S. O Estágio no Curso de Pedagogia – Educação de Jovens e Adultos na Perspectiva da Prática Docente. Curitiba: IBPEX, 2010.

SOUZA, M. Educação de Jovens e Adultos. Curitiba: IBPEX, 2011.

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